João Renato Jácome, de Rio Branco (AC)
A queima de um exemplar da Bíblica Sagrada, livro-chave para a vida dos cristãos, durante um evento cultural nas dependências da Universidade Federal do Acre (Ufac), em Rio Branco (AC), continua causando polêmica e fortes discussões entre os líderes religiosos do Acre. Entre pastores evangélicos e padres, só há um posicionamento indiscutível: o perdão.
A palavra que ensina como os cristãos devem se portar diante de uma situação como essa, onde o maior símbolo confirmador da passagem de Jesus Cristo pela Terra é, na opinião de muitos, desrespeitada, faz com que líderes religiosos se manifestem contrários à atitude e favoráveis à punição dos responsáveis pelo ato, por exemplo.
Mas, o que muito se tem falado, é que uma universidade é local de debates e discussões que visem desenvolver conhecimentos ou edificar o currículo de profissionais e acadêmicos. A própria atualidade exige mentes ainda mais abertas e dispostas a se desfazerem de preconceitos ou intolerâncias, sejam elas às culturas ou conceitos religiosos.
É nesse sentido que o pastor Agostinho Gonçalves, de 55 anos, presidente da Igreja Batista do Bosque (IBB), acredita que não houve pior momento para que uma Bíblia fosse queimada, senão este. Para o líder, que pastoreia uma das maiores igrejas do Acre, nunca durante toda a vida ele teria visto um ato tão desrespeitoso. Para Agostinho, o exemplo servirá de ensinamento aos cristãos que, em sua grande maioria, se surpreenderam com o ato.
“O que se espera de uma universidade? A universidade é lugar de quê? Isso tudo tem a ver com o homem energúmeno [indivíduo que está desnorteado, violento, fanático e possuído pelo demônio]. Eu nunca vi, nem tenho notícias de um caso desse em um evento acadêmico. Eu fiquei muito impressionado. A universidade sempre foi o lugar das grandes ideias, das grandes descobertas,”afirma o protestante.
O pastor acredita que o fato foi “completamente desnecessário”. A intolerância, para ele, é a “maior expressão fundamentalista dentro do academicismo”. Para o líder evangélico, os jovens cometeram um crime, mas ainda assim, merecem ser “perdoados”, ato que revelará o amor cristão e a forma mais correta de se apresentar, segundo os princípios ensinados por Cristo Jesus.
“Eu reconheço que devem ocorrer processos. E, se eles não se arrependerem mesmo, de coração, pois eles destruíram os princípios cristãos. A Bíblia não é um livro, a Bíblia é uma revelação. É a Bíblia é o primeiro livro de Direito do mundo. O primeiro livro de garantia de Direitos. A Bíblia protege a mulher. Foi Jesus, está na Bíblia, que garantiu os primeiros direitos das mulheres. Esse evento ajudou e ajudará muito no crescimento da igreja evangélica no nosso Estado”, acredita o pastor.
Diferentemente, a apóstola Dayse Costa, que pastoreia a Igreja Batista Renovada, também na capital acreana, acredita que o jovem que queimou a Bíblia precisa ser responsabilizado juridicamente pelo ato de “desrespeito” e “intolerância religiosa”. Mesmo assim, a líder evangélica diz que aguarda nova atitude do tipo para tomar providencias junto à Justiça e à polícia, se necessário.
Para Dayse, o ato foi recebido com muita tristeza e surpresa. Ela conta que histórias como essa só foram vistas nos “livros de história” e que dizer que não creem em algo não é motivo de justificativa para queimar um exemplar do livro que guia os cristãos.
Com 30 anos no protestantismo, Dayse diz que os evangélicos se sentem “agredidos no nosso símbolo maior de culto, que é a palavra de Deus”, mas a pastora também acredita, que a Bíblia não precisa de defesa, porque ela própria é a “verdade” e Deus, e o próprio defensor de seus bens.
“Estamos realmente muito aborrecidos com a atitude desse rapaz. Isso é algo muito revoltante. Ainda nãom está totalmente descartado isso [o processo jurídico]. Não precisa de muitos boletins. O alvo não é esse. A questão é fazê-lo ver e entender a gravidade da ação por ele praticada”, esclarece.
Quanto ao lado política do caso, a líder da Igreja Renovada, uma das mais conhecidas de Rio Branco, acredita que “estado laico” não tem nada a ver com “estado ateu”, analisa ao dizer que é necessário maior transparência quanto à participação do governo do estado e da prefeitura na organização do evento ateu.
“Muitos jovens infelizmente não tem envolvimento com a política, nem um pouco de conhecimento. E aí está o perigo disso”, diz ao comentar que se os estudantes querem se opor a algum tema eles podem procurar outros meios para tal.
Já o vice-presidente da Igreja Evangélica Assembléia de Deus, o pastor Jucemir Bernardino de Farias, líder espiritual há 19 anos, acredita que nesse momento é necessário ter muita “misericórdia” dos jovens organizadores do evento em que tudo isso aconteceu.
Jucemir contou das experiências enquanto cristão e afirmou que nunca viu “algo semelhante em toda a vida”. O pastor, durante entrevista, lembrou sobre as regras impostas pelo Código Penal Brasileiro (CPB) e classificou como “ignorância” agir como Felipe Zanon [organizador do Sarau Ateu], Jonh Meckfild Potter [que fumou a folha da Bíblia] e Roberto Oliveira da Silva [que queimou um exemplar do livro sagrado].
“Nós lamentamos e repudiamos essa atitude, mas ao mesmo tempo temos um sentimento de misericórdia. Nós, como cristão, nesse primeiro momento, apenas repudiamos a prática. Mas se isso se repetir, vamos tomar as medidas cabíveis necessárias”, alerta o pastor.
Mas não foram apenas os protestantes que se manifestaram acerca do episódio. O padre Mássimo Lombardi, da Diocese de Rio Branco, emitiu carta para o jovem Roberto, que queimou o exemplar um show da banda Violação Anal, nas dependências da Universidade Federal do Acre (Ufac), na sexta-feira, dia 1º de maio.
Ao jovem, Mássimo lembrou sobre os “vários cursos bíblicos lhe foram oferecidos onde a Palavra de Deus era lida e meditada à luz da revelação do amor de Jesus, fugindo do fundamentalismo, pois a Bíblia é para nós instrumento de paz, de amor, de respeito e não pode se tornar uma arma de morte, como acontece nas mãos de alguns.”, escreveu o padre.
Lombardi está na Itália, mas fez questão de se manifestar sobre o caso. “Pelos ateus que conheço, pela tua pessoa que respeito, eu sei que todos vocês são garimpeiros da verdade, caçadores de autenticidade, defensores da tolerância, contra toda discriminação e exclusão”, lembra o pastor católico ao dizer o seguinte:“Me permito manifestar a minha preocupação por este gesto de queima-biblia. No mundo de hoje as guerras começam quando se mexe com os sentimentos religiosos, que constituem a alma mais profunda do sentido da nossa vida e da vida dos povos. Religião é’ para ligar, unir harmoniosamente povos, raças, nações e culturas”, alerta o missionário.Ainda segundo Mássimo, “queimar bíblias, quebrar imagens, humilhar o outro pela religião que professa, satanizar a crença do próximo, hoje, no terceiro milênio, constitui um atraso cultural imperdoável para um universitário”, finaliza.
CASO DE POLÍCIA
O episódio ocorrido durante um sarau de ateus na Ufac em que o vocalista da banda de rock Violação Anal, Roberto Oliveira, queimou um exemplar da Bíblia Sagrada, será investigado pela Polícia Civil, informou por meio de nota o governo do Acre, na noite desta sexta-feira,08.“O ato é considerado um vilipêndio ao culto religioso, tipificado como crime pelo Código Penal Brasileiro. O governo do Acre defende a liberdade de expressão e também a liberdade religiosa de qualquer crença ou credo. Vivemos em um Estado laico no qual todas as opiniões devem ser respeitadas e toleradas”, diz parte da nota.A reação ocorre depois de severas críticas feitas por cristãos, especialmente evangélicos via redes sociais e líderes religiosos contra o financiamento público ao evento.
VÍNCULO PARTIDÁRIO
O clima no Partido dos Trabalhadores (PT) não está frio, muito pelo contrário, a chapa tem esquentado nos últimos dias. A Executiva Regional do partido emitiu Nota Oficial negando que o jovem Felipe Zanon, seja filiado à sigla. O jovem respondeu à altura e fez criticas ao PT.
Segundo o documento, assinado por Ermício Sena, o Partido dos Trabalhadores “não reconhece o cidadão em questão [Felipe]”, ali chamado de “idealizador” do evento que gerou polemica nacional, como um membro “filiado ao partido”, afirma a Nota do PT.
Conflitando com o que Zanon chegou a dizer nas redes sociais, o representante do partido afirmou que a sigla mantém respeito “a todas as crenças e religiões”, tendo tal prática como “salutar e indispensável”, no campo da democracia.